Morreu um dos maiores símbolos da nossa cultura! Mas, não faleceu nenhum poeta, escritor ou dramaturgo!?... Pior ainda, desapareceu o galheteiro!... É verdade, agora esse amigo de toda a vida já não nos fará mais companhia. Foi banido pela limpeza da Europa que o considerou indigno de permanecer à mesa do rei. Estou preocupado com os estupendos serviços de loiça que correm o risco de perder esse elemento bem peculiar. Até a refinada chaleira vai sentir saudades daquele azeiteiro tão querido. Poderia se feito de porcelana Alegre que desse na Vista, de cristal barroco com aquela rolha de vidro ou o resultado de um exercício estético que sempre desafiou o designer. Mas, estava lá e guardava o orgulho de fazer parte de qualquer lista de casamento. Se calhar, até era mais badalado, no momento da escolha, do que a própria aliança! Tinha atitude e presença, talvez por isso ninguém lhe seria indiferente. Porventura a inveja seria o verdadeiro motivo para o seu assassinato. Pois dizerem que foi erradicado por ser porquinho, não convence muita gente, cheira a conspiração… Então e a estupidez, a violência ou a corrupção não representam uma badalhoquice maior? Todavia, parece que ninguém lhes quer dar uma varridela…
Aquele par do galheteiro encerra a mais longa e bela história de amor. Não foi uma relação fácil! Pois, cada um sempre se entregou totalmente a quem lhes queria pôr a mão. Contudo, ao fim do dia acabavam sempre juntos. Mesmo quando um partia, sabia-se que o outro brevemente ficaria destroçado em cacos. Nunca o juraram, mas as suas deliciosas gotas dançavam numa sinfonia de amor que nem a morte os separava. O azeite era suave, delicado e sensível. O vinagre era ácido, decidido e agreste. O primeiro parecia mais popular, era a fêmea a encantar. O segundo, chegava mesmo a arrepiar, era o macho a rasgar. Tantas diferenças chegavam a levar ao desespero mas, quando se cruzavam, destilavam aromas que libertavam um alucinante tempero.
O azeite também já deu à luz quando trabalhou numa candeia. Nesses tempos, chegou mesmo a apanhar o homem invisível e a mulher transparente a fazerem coisas nunca vistas. Noutra altura, quando iluminava um restaurante, assistiu ao embaraço dum rapaz que sem saber o que dizer à miúda que o acompanhava, aproveitou a conversa de outro casal que se encontrava na mesa ao lado, onde o romântico namorado dizia: “Queres mel minha abelhinha?”. O dito jovem, sentindo-se inspirado, virou-se para a namorada e disse: “Queres presuntinho minha porca?”. Pior, só quando o pai perguntou à filha: “Então e ele é poupado?” ao que ela retorquiu: “Mais não podia ser, ainda a semana passada quando lá fui a casa e os pais não estavam, a primeira coisa que ele fez foi apagar a luz!”.
Da mesma forma que os orientais representam o equilíbrio através do Yin e do Yang, nós podemos recorrer ao galheteiro para ilustrar o mesmo dualismo. Associado ao Yin está a noite, a mulher, o repouso, o frio, a lua e a água. Relacionado com o Yang está o dia, o homem, o trabalho, o calor, o sol e o fogo. Porém, os extremos tocam-se! Tal qual acontece com os protagonistas da nossa parelha. Todavia, como são latinos, parecem um pouco mais atordoados. O Vinagre a certa altura até sugeriu: “Hoje vamos tentar uma nova posição?!” ao que a arisca garrafinha de azeite respondeu: “Boa ideia, tu lavas a loiça e eu sento-me no sofá!”. Foi só para disfarçar, pois os seus filhos: o saleiro e a pimentinha, ainda estavam acordados na sala, a brincar aos saltinhos em cima de um bife…